Reisado 2022 em Ipupiara


 

“Nessas visitas, que aconteciam sempre na parte da noite, os visitadores, geralmente portando um chapéu na cabeça, entoavam o canto do reisado. Esse canto, e o próprio nome reisado, tem influência da antiga tradição portuguesa dos ―ternos de reis‖, aonde um grupo saía às casas entoando hinos e pedindo doações, num período logo depois do Natal, até o dia de Santos Reis, comemorado pela Igreja Católica no dia 06 de janeiro. Os componentes do grupo, conhecidos por reiseiros, não pediam licença em cada casa, a música já era entoada e à medida que se desenrolava, quem quisesse receber, abria a porta da casa e deixava o grupo entrar, enquanto eles cantavam:

 Ô de casa, ô de fora, venham vê que animação, são os cantadores de reis, festejando São João, pedindo uma caridade, para sempre construir. São João também cantou, para sempre construir, a Casa divina e santa, onde a benção recebi. Um dia na Galiléia, um homem chamado João, falava com ternura de amor aos seus irmãos, a grandeza que trazia era Deus no coração. Tudo que ele avistava, às margens do Rio Jordão, de Deus ele falava só queria união, arrependam dos pecados, pra ganhar a salvação. João se emocionava, mesmo falando de amor, de um Homem que viria pra nos livrar desta dor, João Batista anunciava a vinda do Salvador. Nós vivemos nesta terra, com muita tribulação, com fé em nosso Deus Vivo aprendemos a lição, lição essa que foi dada pelo nosso São João. Obrigado pela oferta, que nos deste com amor, que o Divino ilumine sua casa com amor.

Cada hino era entoado muitas vezes durante a noite. Durante a última parte do hino, aonde se agradecia pela oferta, a pessoa que era visitada doava alguma quantia em dinheiro que era depositada num pequeno saco. Logo depois de terminar essa última parte, alguém gritava com toda força: ―Viva São João Batista e o dono da casa! ‖. Todos com aplausos e as mãos elevadas respondiam: ―Viva!‖ Em cada visita o grupo ia aumentando, pois uma vez recebida a visita, algumas pessoas tinham vontade de seguir o grupo e visitar outras casas, tanto é que, em algumas visitas, o grupo sequer conseguia entrar todo dentro da casa visitada. O número de crianças que acompanhava o grupo era sempre grande, muitas delas faziam gestos enquanto a música era entoada. Em cada casa alguém ficava responsável por convidar o dono e sua família para participar da festa que se iniciava com o novenário. O dinheiro arrecadado era destinado à paróquia para que ela cobrisse suas despesas e, também, fosse enfeitada e preparada a igreja para o novenário. Quando um grupo terminasse as ruas a ele destinado, fazia questão de ajudar o outro grupo, tudo para que se conseguisse visitar mais casas. O percurso, previamente delimitado pelo padre, para cada grupo terminou uma semana antes do início do novenário, até mesmo pelo fato que a pessoa que não estava quando o grupo de reiseiros passasse, não tinha o direito de uma nova visita. 124

A visita dos membros da Igreja na casa dos moradores do centro de Ipupiara fazia com que o santo, representado pela sua bandeira e pelos reiseiros, convidasse para a sua festa, entendida como tendo início não com a programação da prefeitura, mas com o novenário dedicado a São João. Isso também demonstrava como a paróquia utilizava essas visitas também para dar início aos rituais de devoção durante os poucos dias que antecediam o dia de São João, que culminava com as celebrações do novenário e a missa do dia 24 de junho, dia do santo.

Quando falo do início dos rituais de devoção, penso no sentido de Turner (2005), ou seja, em comportamentos formais codificados, separados da vida rotineira. Os reisados seguem uma sequência de atos e códigos que não fazem parte da vida cotidiana daqueles moradores, uma vez que não acontecem todos os dias, mas os remete a uma devoção do santo. As visitas 125

dos reiseiros representava algo de intimidade com o santo, sem que fosse algo litúrgico ou meramente eclesial. O santo, através da visita, ia ao encontro das pessoas de Ipupiara. Assim sendo, o reisado ia além de um controle demarcadamente espacial, era possível cultuar, rezar e cantar para São João sem que houvesse um controle institucional, ainda que os reiseiros fossem representantes da Igreja, da paróquia. Cada morador podia abrir a porta ou não para receber, cantar, contribuir e homenagear o santo a sua maneira”.

Trecho retirado do artigo de dissertação: Faces do São João: relações sociais e a construção de uma festa em Ipupiara –Sertão da Bahia

Autor: Marcel Schmitz Gutiá, Mestre em Antropologia Social

"Após dois anos de pandemia, em que passamos recolhidos de nossas atividades cotidianas; retomamos gradativamente as ações tradicionais em nossa paroquia. Com o controle da pandemia de covid-19 e o aumento do número de pessoas vacinadas em todo o país, várias cidades, inclusive a nossa, retomaram neste ano as celebrações e atividades religiosas. Depois de dois anos sem eventos presenciais, os paroquianos em Ipupiara iniciam hoje dia 21 de maio, a tradicional “cantiga” do REISADO 2022.

Com muita alegria e determinação, o grupo de leigos e leigas (reiseiros) da comunidade de São Francisco de Assis, aqui da sede; visitam as casas do bairro e do centro de nossa cidade, levando uma forma espontânea de evangelizar, que há anos se tornou um marco nas festividades juninas em nossa paroquia.

Viva São Joao Batista!" disse o Pe. Marcio Benevides, Pároco.










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