VILA DE IBIPETUM: SUA GENTE, SEUS LIDERES, SUA HISTÓRIA.
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Vila de Ibipetum: sua gente, seus líderes, sua
história
ARIDES LEITE SANTOS
A antiga
Gameleira formou-se a partir do ajuntamento de garimpeiros que chegaram ali
para tentar a vida no garimpo de cristal e de pedras preciosas.
Estabeleceram-se em pequenas propriedades, cultivando a terra, explorando
garimpos, próximo a uma nascente d’água que escorria até desaguar numa Lagoa, conhecida
como Aguada. A floresta de gameleiras que então existia inspirou os moradores a
chamarem o lugar de Gameleira.
As
frondosas gameleiras faziam sombras aconchegantes. Os tropeiros viajantes que
vinham de terras distantes, com seus burros carregados de artigos de comércio:
rapadura, couro de boi, bruacas, cangalhas, ferragens etc., encontravam ali um
lugar propício para fazer parada e repousar. Ali amarravam os animais,
descansavam, pernoitavam, vendiam e trocavam o que traziam de longe pelos
produtos locais de que tinham necessidade: feijão de corda, farinha de
mandioca, fumo de rolo, ouro, etc., e depois seguiam viagem pelas veredas do
sertão adentro.
Joaquim
Francisco da Silva, conhecido como “Quinca Rico”, um dos fundadores do Arraial
da Gameleira, nasceu em 1858, de origem muito pobre, trabalhou duro, fez
fortuna, adquiriu propriedades. Construiu sua casa de residência ao custo
altíssimo de “um conto de réis”. Esse “investimento” causou admiração em
muita gente da redondeza. Coronel João Arcanjo Ribeiro viajou de Brotas para
ver com os próprios olhos a famosa obra da qual tanto lhe falavam: a residência
do amigo que diziam ter até uma Capela construída ao redor.
Dizem que
“Quinca Rico” havia comprado uma escrava, a escrava Maria. E que certo dia ele
pegou uma nota “capa de cangalha”, a mais cobiçada pelos homens da época, ante
o poder de compra elevadíssimo que tal nota continha, e, ostentando-a na mão,
convocou sua escrava para encarar um desafio: - Se você acertar o valor desta
nota eu lhe dou a minha roça de maniçoba.
Pois não
é que Maria escrava lhe deu a resposta certa! E para a sua valiosa felicidade o
amo honrou o compromisso de aposta: dizem que ele a imitiu na posse da roça de
maniçoba.
Por volta
de 1888, João Arcanjo Ribeiro pediu conselho a “Quinca Rico” sobre a
conveniência de comprar escravo. O velho aconselhou não comprar, porque “a
alforria estava perto de chegar” (os ventos da abolição da escravatura
começavam a soprar também naqueles arraiais). Assim, o líder gameleirense
convenceu o brotense a desistir da ideia.
“Quinca
Rico” e João Arcanjo Ribeiro mantiveram amizade sólida; a estima recíproca foi
até seus descendentes. Filho deste último, Ismael Arcanjo Ribeiro trabalhou
como dentista no Arraial de Gameleira, mas faltou-lhe ânimo para continuar na
profissão, largou tudo para ir estudar em São Paulo, formou-se em Direito,
galgou o cargo de juiz de direito, retornou à Terra natal, tornou-se o homem da
lei em Brotas de Macaúbas. Enveredou pelos meandros da política, intentou ser
deputado estadual pelo PSD, em 1954, mas o intento malogrou.
“Quinca
Rico” tinha patente de capitão, de família com muitos irmãos. José Francisco da
Silva (Zeca) seu irmão viajou da Gameleira até Salvador montado no lombo de um
cavalo; foi o primeiro a conseguir tamanha façanha. Outro irmão seu afamado foi
Albuíno Francisco da Silva, “Major Buíno”. “Quinca Rico” faleceu em 1940 e jaz
no Cemitério de Ibipetum.
À medida
que o Povoado crescia,
casarões de estilo colonial e barroco, com suas portas e janelas altas, fachadas trabalhadas, amplas salas e varandas, foram sendo edificados na Rua Grande, atual Avenida da Matriz, e se tornaram as notáveis residências de Antônio Francisco dos Santos, Aristides Pereira de Novais, Aristides Francisco da Silva, André Andrade, Francisco Silva, Miguel Martins dos Santos (Miguel Preá), Luciano Pereira de Novais, Manuel Novais (conhecido como Manelim), Honorato Silva, Noé Ribeiro da Silva.
A Rua do
Alto ou Rua de Cima formou-se com a casa de Joaquim Francisco da Silva (“Quinca
Rico”), em 1888, a Capela do Menino Deus, e as residências de outros moradores.
Esta casa tem história, pois foi nela que viveu a última escrava de que se tem notícia na região, a escrava Maria. Pelo seu valor histórico, alguns cidadãos de Ibipetum têm procurado preservar este que é um verdadeiro patrimônio cultural da comunidade, a exemplo do vereador Irineu, neto do ex-prefeito Artur Gomes. Assim, a casa tem sido mantida em bom estado de conservação para a memória da presente geração e das próximas também.
Na Rua
Treze de Maio havia uma Delegacia de Polícia onde os presos ficavam amarrados
com bolas de ferro nas pernas, no tempo da escravidão, daí o nome treze de
maio, em alusão à “Lei Áurea”, que aboliu a escravatura, promulgada no dia 13
de maio de 1888. Surgiram também a Rua do Bate-Bico ou Rua da Manguba, atual
Avenida Sete de Setembro. A Rua do Limão, atual Rua Dr. Manoel Novais (em
homenagem ao deputado estadual Manoel Novais, que tinha o costume de visitar a
Vila, ocasião em que fazia inflamados discursos, sempre bem à vontade na
calçada da residência de Miguel Martins dos Santos (Miguel Preá), atraindo
grande aglomeração de potenciais eleitores). A Rua Nova, atual Rua Aristides Pereira
de Novais. A Rua do Carro Velho ou Travessa Manoel Novais, atual Rua Adão
Novais. A Travessa da Fábrica, atual Rua José Oliveira. A Travessa do Mercado,
atual Rua Treze de Junho (em alusão à data do padroeiro e os festejos em
homenagem a ele que são realizados no local). A Rua Caminho do Cruzeiro, atual
Avenida Cruzeiro, dentre outras.
A Igreja
Matriz de Santo Antônio, padroeiro de Ibipetum, foi construída no Centro da Rua
Grande em 1930. Posteriormente, a Capela do Menino Deus foi construída no
Centro da Rua de Cima ou Rua do Alto e passou por uma grande reforma em 2003,
ocasião em que a Prefeitura construiu a Praça da Paz no seu entorno. Ali no
meio da Praça a Prefeitura erigiu uma réplica do Cristo Redentor.
A
Gameleira ganhou status de distrito com o nome de Ibipetum pela Lei estadual
628, de 30 de dezembro de 1953. O serviço postal com Agência de Correios e
Telégrafos teve início em 1959, a cargo da funcionária Onília Pereira Silva. A
linha telegráfica era mantida com Barra do Rio Grande, Morpará, Brotas de
Macaúbas, Ipupiara e Barra do Mendes.
O
comércio desenvolveu-se no entorno do Mercado Municipal que fora construído em
1952, na junção das ruas Treze de Junho, Rua do Comércio, Largo do Mercado e
Treze de Maio. A obra foi realizada na gestão do prefeito Gaudêncio Oliveira,
de Brotas de Macaúbas. Esse mercado é o lugar onde se realiza feira livre aos
domingos, até hoje.
Nos anos
1950-1970, os moradores da Gameleira foram assistidos por missionárias da Junta
de Missões Nacionais que à época serviam à Igreja Batista de Ipupiara. Amália
Ferreira Mota era enfermeira e veio para o sertão com mais de 50 anos de idade,
procedente do Rio de Janeiro. Ela relatou em cartas enviadas à Junta no Rio que
chorou muito por ver a situação de miséria a que estava reduzido o sertão. Viu
inúmeras famílias passando fome. Esteve vinte e seis dias na Gameleira, disse
que não tinha tempo nem para comer, cuidando da saúde dos enfermos, mas que não
se esqueceu de falar de Cristo um só momento.
Outra
missionária da Junta de Missões Nacionais que marcou presença na Gameleira foi Zênia
Birzniek. Ela nasceu em Riga, capital da Letônia. Enfermeira experiente, ela
partiu de São Paulo e desembarcou em Bom Jesus da Lapa. Depois viajou para
Morpará, esperou oito dias, então viajou em cima da carga de um caminhão, e
finalmente desembarcou na então Vila de Ipupiara, numa madrugada de janeiro de
1957. Ela relatou que começou a ir a Ibipetum, pregando o Evangelho. Um domingo
ia para Vanique, outro ia para Olho D’Água, Mata, Chiquita e outros povoados
que esqueceu o nome. Achava que era em vão e que não ia surtir efeito; mas
depois ficou sabendo que muita gente se converteu nesses lugares. Disse que
ficou na Gameleira um mês antes de viajar. “E lá se converteu a tia da Irmã
Alinda, esposa de Irmão Joaquim Andrade. Maria Áurea estudou no SEC [Seminário
de Educadoras Cristãs, no Recife/PE] e ficou sete anos na Junta de Missões
Nacionais, depois saiu porque se casou e a Junta não aceitava missionárias
casadas”.
Ruth
Isabel Vieira de Souza era professora; a Junta de Missões Nacionais a enviou para
servir à Igreja Batista de Ipupiara, cuidando da vida espiritual e da educação
dos filhos da terra, especialmente os de Ibipetum. Ela chegou em 1962. Fundou a
Escola Batista de Ipupiara mantida pela JMN. Ruth relatou em carta enviada à
Junta que no início sentiu o peso da agressão política, mas com o tempo a
situação se normalizou. Ficou responsável pela evangelização do distrito de
Ibipetum, onde alugou um salão e semanalmente dirigia um culto de louvor a Deus.
O nome
Ibipetum significa terra do fumo. “Ibi” veio do tupi-guarani; significa terra. “Petum”
vem do tupi petýma e significa fumo. Assim, Ibipetum = Terra do Fumo
certamente tem a ver com a intensa produção de fumo que se destacava em toda a
extensão do território da antiga Gameleira. A safra dos anos 1960 foi
extraordinária, quando o produto atingiu o ponto culminante da sua
comercialização. Nessa época, existiam quarenta depósitos de tratamento e
embalagem de fumo, onde o produto era preparado para ser exportado para cidades
da Bahia e de outros estados: Minas Gerais, São Paulo, Maranhão e Piauí. Nos
idos de 1970, havia duas indústrias concorrentes de tratamento de fumo
instaladas em Ibipetum: a Capelão e a Guarani, especializadas em torrar,
desfiar e empacotar para ser comercializado em forma de fumo desfiado.
Quem
protagonizou a exportação do fumo de corda da região para o Estado do Maranhão
foi o “Velho Sérgio” do Olho D’aguinha, atual Povoado de Bela Sombra. Segundo o
relato de nosso saudoso amigo Divaldo Silva (Didiu): “em 1920, Sérgio partiu do
Olho D’aguinha com uma tropa de cinco burros, tocou essas cargas até Gilbués/PI
[cerca de 540 km], atravessou o Piauí e foi descarregar em Caxias, no Maranhão.
Foi a primeira venda bem-sucedida. A partir daí o fumo baiano pegou fama e
passou a ser muito disputado entre compradores do Maranhão”.
Na Vila
de Ipupiara e na Gameleira dos anos 1940, o comércio de fumo era uma das
pouquíssimas fontes de renda existentes na região. Negociantes partiam com
tropa de burros para Morpará, na beira do Rio São Francisco, distante cerca de
110 km. Ali transferiam as cargas de fumo para uma Balsa ou Vapor, e assim
viajavam pelas águas do Rio São Francisco até Remanso/BA. Dali transportavam
sobre as costas de jumentos até Floriano/Piauí.
Naquele
tempo, alguns moradores da Gameleira se destacaram como grandes compradores e
exportadores de fumo, formando um capital admirável naquele pobre sertão.
Felisberto Silva, Joaquim Francisco da Silva (Quinca Silva), Francisco Silva
(pai do saudoso Didiu), Antônio Francisco, Miguel Martins dos Santos (Miguel
Preá), Martinho Ribeiro dos Santos, Valdivino Nunes Capelão, esses homens se
tornaram verdadeiros barões do fumo. Eles partiam da Gameleira em longas
viagens, iam vendendo em São João do Piauí, Simplício Mendes, Oeiras, Picos,
Floriano, Teresina, Timon, Caxias, Codó, Coroatá, Pedreira, Bacabal,
Imperatriz.
Já em
1964, partiu de Ipupiara Emiliano meu pai em caminhão carregado de fumo.
Chegado em Morpará, embarcou de vapor e viajou rio acima com destino a
Pirapora-Montes Claros/MG. Viagem bem-sucedida, bons negócios fizera. De volta
para a casa do lar-doce-lar, tudo corria bem até Bom Jesus da Lapa. Daí para se
chegar à boa terra há um percurso de mais de 300 km. Sim, outra viagem se faz.
Tendo passado meses longe de casa, fazendo negócios, suportando fedor de fumo,
ciente da gravidez da esposa em primeiro filho - deste que agora te faz leitor
-, decidido a não perder os festejos de São João - foi direto procurar o meio
de transporte mais rápido que existisse. Fretou um teco-teco, Artur Ribeiro
pegou carona, e foram ... aterrissaram num descampado, onde hoje há bancos,
escolas, quadra de esportes, praças etc.
Em 1965,
a Gameleira contava com uma “Caixa Bancária” montada para emprestar dinheiro. Era
uma sociedade formada por Aristides Novais, Nemézio Martins dos Santos (Nemézio
Pestana, pai de Divinim) e Teodoro Durães (Teodoro Brejeiro)
Divaldo
Silva (saudoso Didiu) empreendeu diversas viagens, nos idos de 1969-81, para
vender fumo em cidades do Maranhão, inclusive em São Luiz. Partia de caminhão
até Morpará, aí embarcava de vapor e seguia pelo São Francisco até Remanso/BA.
Alugava um caminhão e seguia até Teresina/PI, onde embarcava de trem para
Caxias, Coroatá, Pedreira. Numa dessas, em 1966 encontrou Miliano vendendo o
produto em Caxias.
A fábrica
de cigarro Pachola Ltda., de Uberaba/MG, enviou carta a Emiliano em novembro de
1980 querendo comprar fumo. Miliano fez proposta de entregar em Uberaba o fumo
de primeira a 180,00 cruzeiros o quilo, e o de segunda a 120,00. Pediu que,
caso lhes interessassem, mandassem a inscrição para despacho e cobrança do
imposto de ambos os fumos. Neste caso, mandaria “doze toneladas, menor parte de
segunda”.
Pois não
é que o fumo de Ipupiara (que os antigos chamavam “Fundão”) está
presente no famoso romance “Cascalho” do imortal da Academia Brasileira
de Letras Herberto Sales! Sim, com ele a velha Vitória cachimbava, e a mulher
de Salu mascava:
- Boa
noite, comadre.
- Vá se
sentando.
A velha
Vitória cachimbava.
- Este
fumo é bom? – Perguntou a mulher de Salu.
- Não é
mau não.
- Então
me dá uma masca aí.
A velha
Vitória meteu a mão no bolso da saia e dele retirou o pedaço de fumo.
- É do
Fundão – disse, e passou-o à outra mulher.
- Deus
lhe pague.
A mulher
de Salu, que ainda não comera naquele dia, tratou logo de ir mascando o pedaço
de fumo com os dentes que lhe restavam. Um gosto acre lhe encheu a boca, e ela
cuspiu grosso, cor de café. Dali podia ouvir a gritaria dos meninos.
Ibipetum
tem lugar de destaque na política da região pela trajetória admirável de seus
líderes.
Aristides
Francisco da Silva nasceu em 1888, no Bebedor, próximo do Brejo, município de
Gentio do Ouro. Seu pai abandonou o lar e sumiu, deixando Efigênia sua mãe com
oito filhos: Francisco (Chiquim), Norato, José Português, Irineu da Baixa,
Silina, Maria de Bertôlo (avó de Gesi Durães), Marina (mãe de Tõe Baiano) e
Aristides. Abandonados pelo pai, Aristides Silva teve de acudir a mãe na
criação dos filhos, irmãos seus. Mais tarde ele casou-se com Selvina do Coxim e
tiveram os filhos Jorge, Adonias, Celina (irmã Dileta, freira em Itabaiana/SE)
e Artur (residente em Barra/BA). Selvina sua esposa faleceu, ele casou-se de
novo, com Felizana Francisca Silva, e tiveram os filhos Valmir Francisco da
Silva, Luiz (falecido), Antônio (falecido), Aristides Silva Filho, João
Francisco Neto, Terezinha Francisco da Silva, Glória (freira em Brotas), Celina
e Maria de Lurdes da Silva.
Aristides
Silva disputou a prefeitura de Brotas contra Nestor Rodrigues Coelho, filho do
coronel Militão, por volta de 1938-1944 (não se sabe precisar o ano). O
político barramendense venceu o pleito, mas sua vitória foi questionada. Alguns
eleitores de Ibipetum estavam indo votar em Brotas, mas não conseguiram chegar
a tempo, devido a uma manobra engendrada por correligionários do outro
candidato. Diante do acontecido, Aristides foi estimulado por gente influente a
lutar pelo mandato, sendo-lhe entregue armas e munição. Informado, porém, da
não remuneração do cargo, ele não se animou a lutar pela causa. Voltou a
ocupar-se da atividade comercial - o que sabia fazer muito bem -, labutando com
loja de tecidos, roupas e perfumaria. Restaram-lhe cento e doze fuzis
escondidos sob o tablado da sala de sua residência na Gameleira. Nos idos de 1970,
seu filho Aristides Silva Filho (“Silvo”) os encontrou, bastante enferrujados,
e os entregou ao filho de Ezequiel Matos, o médico Dr. Valter, que se desfez
deles. O gameleirense montou venda em Ibipetum, Ipupiara e Morpará. Em 1962,
ele disputou a eleição para prefeito de Ipupiara com Arlindo Almeida
(Sinhozão), que o venceu.
Antônio
Francisco dos Santos foi comerciante forte, dono de casas de comércio em
Ibipetum, Ipupiara e Gentio do Ouro. Vendia de tudo: ferramentas, gêneros alimentícios
etc. Grande comprador e revendedor de fumo de corda, inclusive exportava para
outros Estados. O forte do seu comércio era a farmácia, com grande variedade de
medicamentos, que funcionava dentro de um barracão, onde atualmente existe a
Rua da Matriz. Maria dos Anjos sua esposa era mulher dinâmica, muito
requisitada pelos moradores para resolver problema de saúde. Atendia a todos
com presteza, e assim granjeou respeito e admiração de seus contemporâneos. O
filho deles José Antônio dos Santos (“Dedé”) viria a ser o primeiro prefeito
eleito de Ipupiara, como se verá adiante.
Segundo o
relato de nosso saudoso amigo Didiu, nos anos 1949-1950, houve uma epidemia de
Varíola em Ibipetum, uma peste da bexiga altamente contagiosa que “pega até no
vento” e faz nascer bolha no corpo todo. Para isolar os doentes e deter a
contaminação, Antônio Francisco mandou construir de seu próprio bolso uma casa
afastada da área urbana da Gameleira, a fim de abrigar os doentes. Os moradores
chamavam-na de “hospital”. A casa de misericórdia ficava numa roça que ultimamente
pertencia a nosso amigo Didiu, falecido há poucos anos.
Antônio
Francisco dos Santos construiu também um prédio escolar em Ibipetum, e como não
existia professor, foi à cidade da Barra do Rio Grande e contratou professoras
para ensinar aos filhos da terra do fumo, tudo às suas próprias custas. Ele e
Maria dos Anjos sua esposa tinham por costume hospedar os políticos do Estado
que visitavam a Gameleira: deputado, prefeito, o Bispo da Diocese de Barra, que
nunca deixava de estar presente nas celebrações do padroeiro Santo Antônio, em
13 de junho.
Junto com
o deputado estadual João Borges de Figueiredo, Antônio Francisco dos Santos
conseguiu elevar o povoado de Gameleira à categoria de distrito de Ibipetum,
criado pela Lei 628 de 1953. Para tanto, debelara a oposição dos líderes
ipupiarenses, capitaneados pelo coronel Artur Ribeiro, que disputavam
território com os vizinhos rivais. É que o poderio econômico e político dos
líderes da Gameleira competia em pé de igualdade com o dos líderes de Ipupiara.
E como a criação do novo município, abrangendo os dois distritos era iminente,
o velho Artur temia que os gameleirenses conquistassem a sede da prefeitura
para o distrito deles. De fato, após cinco anos apenas da criação do distrito
de Ibipetum, criou-se o novo município, e a sede, como se sabe hoje, ficou com
Ipupiara.
O filho
de Antônio Francisco dos Santos e Maria dos Anjos, José Antônio dos Santos,
conhecido como “Dedé”, juntamente com Aristides Novais, Aristides Silva e José
João Sobrinho, somando forças com os líderes de Ipupiara, participou do
movimento de 1958 para emancipar os distritos de Ipupiara e de Ibipetum do
Município de Brotas de Macaúbas. Do lado oposto, Osvaldo Rosa, com a força
política do deputado estadual João Borges de Figueiredo, atuou fortemente
contra a emancipação.
No mundo
da política, uma rivalidade nasceu e se desenvolveu, semeada e cultivada, de um
lado, pelos homens ligados ao território de Ibipetum. De outro lado, por homens
ligados ao território de Ipupiara. Duas correntes opostas que, durante décadas,
não cessavam de se enfrentar, articulando cada qual as suas forças para
conquistar o cobiçado poder da prefeitura municipal. Homens de lá e de cá
rivalizando entre si, animados pelo instinto de defesa do seu lugar de origem,
lugares que os separam por cinco quilômetros apenas. Disputas eleitorais que
parecem deitar raízes nos antigos embates travados entre o coronel Militão
Rodrigues Coelho, que tinha sua base eleitoral na vila de Barra do Mendes, e o
coronel Horácio de Matos, que tinha o domínio eleitoral na sede do município de
Brotas de Macaúbas, nos idos de 1916-1919.
Ismael
Arcanjo Ribeiro, filho de João Arcanjo Ribeiro, foi o juiz de direito que
presidiu a primeira eleição para prefeito e vereador do município de Ipupiara,
em outubro de 1958. Dois candidatos disputaram o pleito:
José
Antônio dos Santos (“Dedé”) do Partido Republicano (PR), apresentado pelos
líderes do distrito de Ibipetum. E
Getúlio Ribeiro Barreto da Aliança Renovadora
Nacional (Arena), apresentado pelos líderes de Ipupiara, notadamente o coronel
Artur Ribeiro.
“Dedé”
nasceu na Gameleira em 8 de março de 1917, filho de Antônio Francisco dos
Santos e Maria dos Anjos.
Getúlio
nasceu no Gentio do Ouro em 10 de dezembro de 1921, filho de Licínio Gomes
Ribeiro e Francisca Alves Barreto.
Com base
em sabidas intenções de voto, formou-se uma forte expectativa de que Getúlio
seria eleito com folga. A euforia, no entanto, estava permeada pelo temor de
que houvesse manipulação na contagem dos votos para prejudicar o candidato
apadrinhado do coronel Artur Ribeiro, correligionário do finado coronel Militão
e arquirrival dos brotenses em antigas disputas políticas. De outro lado,
“Dedé” e os ibipetumenses desfrutavam de boas relações com os brotenses, o que
adensava o medo e a desconfiança dos ipupiarenses na escorreita contagem dos
votos.
Enfim,
fechadas as urnas, levadas as cédulas à mesa de apuração, os apuradores
pronunciaram o resultado: 605 votos para “Dedé” e o mesmo tanto para Getúlio.
Empatou!
Indagações
que o espírito crítico insiste em fazer: o total de 1210 votos corresponde
exatamente ao número de eleitores que compareceram às urnas e votaram
validamente em “Dedé” e em Getúlio, ou seja, nenhum eleitor votou mais de uma
vez? Os 605 votos contados para Getúlio correspondem exatamente à soma de “xis”
que os eleitores marcaram na cédula ao lado do nome dele? Igualmente, a mesma
pergunta se faz em relação a “Dedé”. Sem fiscal de partido a sindicar
escrutinadores no ato de anotar, a elite ipupiarense, que tinha pouca
experiência neste negócio de apuração eleitoral, ouviu algo que certamente lhe
soou inacreditável: o juiz de direito Ismael Arcanjo Ribeiro, aplicando a regra
existente para o caso de empate na votação, proclamou eleito a “Dedé”, por ser o candidato
mais velho.
Inconformado,
Artur Ribeiro contestou o resultado perante o Tribunal de Justiça, porém, não
teve êxito. Irresignado, fez subir o processo à instância superior. Lutava. E
lutou até o dia em que Juraci Magalhães o convenceu a deixar de alimentar
esperança pela causa.
Assimilada
a derrota, já no ano de 1960, certo dia o “Velho Artur” estava de passagem em
Morpará, e soube que ali também estava o prefeito “Dedé”. Pragmático, o coronel
se preparou, vestindo-se de paletó e gravata, foi cumprimentar o ilustre rival.
Conversa vai, conversa vem, dali saíram amigos e se tornaram aliados políticos.
Foram juntos a uma audiência com o governador Juraci Magalhães, e dele
conseguiram a criação do Termo Judiciário de Ipupiara.
Na
eleição de 1962, Aristides Francisco da Silva foi candidato representando
Ibipetum, e Arlindo Alves de Almeida representando Ipupiara. Na ocasião, o
homem considerado forte para representar Ibipetum era José João Sobrinho,
conhecido comprador de fumo em toda a região. Dizem que ele teria mais chance
de derrotar o candidato de Ipupiara. No entanto, o escolhido foi Aristides
Francisco da Silva, que, além de ser comerciante bem conhecido, tinha a seu
favor o prestígio de sua esposa Dona Felizana, que se destacava na comunidade pela
dedicação e perseverança em ajudar os mais necessitados, e pela participação
ativa nas ações religiosas do lugar.
A
eleição de 1966 foi disputada pelo candidato Artur Gomes da Silva representando
Ibipetum, e pelo candidato Getulio Ribeiro Barreto representando Ipupiara. Na
ocasião, Aristides Pereira de Novais havia viajado com uma partida de fumo para
o Piaui, tendo ficado certo de que ele seria o candidato. Porém, quando ele retornou
de viagem, ficou sabendo que os líderes haviam decidido aprovar o nome de Artur
Gomes na convenção do partido. Quando lhe comunicaram tal mudança, Aristides
ficou indignado. Se mudasse para o lado de Getúlio, provavelmente seria eleito,
pois Aristides Novais (AN) era homem conhecido e respeitado na política, com um
grande número de eleitores que lhe eram fiéis. Houve um intenso trabalho de
convencimento até que ele aceitasse o nome de Artur Gomes. Antônio Delfino
relatou que ele mesmo foi um que aconselhou Aristides Novais. Ele disse que
Artur Gomes deu a palavra que deixaria Aristides Novais governar os últimos
dois anos, mas isso não foi registrado em documento, pois naquela época a
palavra dada valia como palavra escrita com caneta de ouro. Com essa palavra a
paz foi selada. Artur saiu candidato a Prefeito e Aristides a vereador. A
combinação era que este seria eleito presidente da câmara e depois assumiria a
prefeitura com a renúncia de Artur Gomes (o cargo de vice-prefeito não existia).
Sabe-se que as diferenças entre eles perduraram até o leito de morte.
A eleição
de outubro de 1992 foi disputada pelos candidatos Osvaldo Leite da Silva (PFL),
com o importante apoio do então prefeito Gildásio Martins Sodré, e Getúlio
Ribeiro Barreto (PDC), apoiado pelas oposições de Ipupiara e de Ibipetum.
Osvaldo venceu com 2.519 votos contra 1.536 de Getúlio – frente de 983 votos. Gildásio
nasceu em 29/7/1949 em um lugarejo do município de Morpará chamado Milagres, mas
foi criado em Ibipetum e toda a sua formação escolar, convívio social, atividades
comerciais, enfim, a sua história de vida se deu no ambiente social e econômico
da Vila de Ibipetum (para o homem que se dedica à política municipal, esse
ambiente, a meu ver, é que determina a sua base eleitoral, e não o mero lugar onde
ele nasceu).
Pois bem,
a partir daquela eleição de 1992, observa-se claramente o ocaso da histórica rivalidade
no campo político-partidário-eleitoral entre Ipupiara e Ibipetum. O simples
fato de os dois candidatos (Osvaldo x Getúlio) terem a sua base político-eleitoral
em Ipupiara, e nenhum em Ibipetum, por si só, já aponta nessa direção. A razão
maior é que Ibipetum, a terra do fumo, havia entrado em decadência econômica
desde os anos 1980. Desde então, o padrão de vida de sua gente veio sofrendo
uma drástica deterioração, reduzindo significativamente a sua importância
político-eleitoral. A fase áurea dos caminhões carregados de fumo para
exportação, seu benéfico efeito multiplicador no comércio local havia chegado
ao fim. Foi-se o tempo dos depósitos repletos de trabalhadores empregados nos
serviços de beneficiamento do produto, das fábricas produzindo o fumo desfiado
e empacotado para entrega sob encomenda nas grandes cidades da Bahia e de
outros estados. O comércio de um modo geral definhou. Após aquela geração de
homens de negócio respeitados, bem capitalizados, e de políticos reconhecidos
para além de suas fronteiras, veio uma geração de jovens sem perspectiva de
desenvolvimento humano sustentável. Neste cenário, muitos jovens ávidos por
trabalhar e ganhar o sustento, mas sem chance de realizar-se no lugar de
nascimento, partiram para outros mundos: São Paulo, Salvador, Itabuna, Jequié,
Brasília, etc. Assim, o eleitorado de Ibipetum viu minguar a força que tivera
num passado não muito distante. Daí em diante, a lógica da política já não se
baseia mais no velho duelo: o candidato de Ipupiara contra o candidato
de Ibipetum. A meu ver, isso deixou de existir desde 1992.
No
entanto, há controvérsia. Há quem discorde da afirmativa de que a dita rivalidade
histórica tenha acabado a partir da eleição de 1992, disputada entre Osvaldo
Leite da Silva (apoiado pelo então prefeito Gildásio) e Getúlio Ribeiro Barreto.
O argumento é que na eleição seguinte - a de 1996 - o candidato José Luciano
Novais (Zequinha), embora residisse em Salvador, representava o distrito de Ibipetum,
pois, segundo esse entendimento, “ele é natural do distrito de Ibipetum”,
enquanto o outro candidato, David Ribeiro Primo, é natural do distrito de
Ipupiara. Além disso, o mesmo aconteceu na eleição seguinte - a de 2000 - em
que José Luciano (Zequinha), de acordo com esse entendimento, concorreu à
reeleição de prefeito como representante do distrito de Ibipetum, enquanto o
outro candidato, Ascir Leite, que é natural de Ipupiara, concorreu como representante
do distrito de Ipupiara. (O espaço aqui é limitado e não cabe uma análise
detalhada das duas eleições. O assunto encontra-se no livro Ipupiara e Ibipetum:
história de lutas na chapada diamantina. São Paulo: Scortecci, 2015). Na linha
que venho defendendo, resumidamente, basta dizer que José Luciano é de fato natural
de Ibipetum. Vale dizer, seus laços afetivos, familiares, de amizade antiga
etc. têm suas origens ali, porém, todos sabem que desde muito cedo ele deixou a
casa paterna para ir estudar na Capital. Assim, o fato é que a sua formação escolar
e profissional, seus negócios, seus empreendimentos como empresário, tudo isso se
deu numa realidade muito distante do seu local de nascimento. E o mais
importante: para aquela eleição de 1996, as lideranças políticas de
Ipupiara (observem: não só de Ibipetum, mas de Ipupiara) se uniram em torno
da candidatura de José Luciano porque tinham um objetivo comum: reunir forças suficientes
para vencer o candidato apoiado pelo prefeito Osvaldo Leite, que até então era
a liderança política com o maior potencial eleitoral em todo o município. Vale
dizer, para aqueles líderes, pouco importava que Zequinha tivesse nascido em
Ibipetum. O que importava é que ele foi considerado como o homem certo naquelas
circunstâncias, o cidadão do mundo, o empresário bem sucedido nos negócios em
Salvador, ou seja, foi identificado como o mais credenciado para vencer o grupo
político encabeçado por Osvaldo naquela eleição, cujas sucessivas administrações
– não se pode perder isso de vista - vinham sofrendo desgastes cada vez maiores,
em razão de determinados episódios negativos, de tal modo que davam o que falar
na boca do povo.
Em nossos
dias, sabemos que a velha rivalidade política entre as duas comunidades irmãs é
coisa do passado. O processo histórico vivenciado está a ensinar que os líderes
políticos cumprem melhor os seus mandatos quando se dedicam a atender com
honestidade e eficiência às demandas de todas as comunidades que convivem no
município, sem discriminação de origem ou de qualquer natureza.
Ibipetum
é considerado atualmente um subcentro de Ipupiara, situado a uma distância de 5
km do centro do município. Conta com vários estabelecimentos comerciais, feira
livre, posto de saúde, posto de gasolina, central telefônica, serviço bancário
para depósitos e saques em estabelecimento comerciais, serviço de abastecimento
de água e energia elétrica. Sua dependência da sede municipal é restrita às
repartições públicas e ao hospital local. O distrito de Ibipetum detém cerca de
30% da população municipal e, somando-se à do distrito-sede, os dois abrigam cerca
de 70% dos cidadãos ipupiarenses.
De
Brasília (DF) para Ipupiara (BA), 3 de abril de 2020.