Benzedeiras se modernizam: abençoam online e têm até "faculdade" própria
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Faz parte da infância de muita gente a imagem de
uma avó que ou era benzedeira, ou tinha conhecidas que benziam. A sensação de
receber um sinal da cruz pequeno na testa está na lembrança de muitas pessoas
que não necessariamente seguiam ou seguem alguma religião. Benzer é uma palavra
que significa consagrar algo ou alguém em nome do divino — seja divino o que
você considerar como tal. Por mais que a cultura possa parecer antiga, ela se
torna cada vez mais atual em um movimento que busca resgatar a ancestralidade
das benzedeiras, aquelas que curam com as mãos. “O benzimento é uma técnica de egrégora
completamente independente de religiões. Trabalha com o equilíbrio de aspectos
que estejam em desequilíbrio”, conta Pâmela Souza, benzedeira e professora de
benzimento e ancestralidade, além de doula. Neta, bisneta e tataraneta de
benzedeiras, Pâmela inaugurou a Florescer Bento, escola que forma benzedores,
em 2016. Embora sua ancestralidade esteja intrinsecamente ligada à cultura do
benzer — sua avó Rosário era uma conhecida curandeira em Minas Gerais —
ela aprendeu, ou “redescobriu”, como gosta de falar, a técnica aos 22 anos, na
Umbanda.
Segundo a professora, o benzimento pode oferecer o
que a pessoa precisa. Mais do que isso, é possível benzer pessoas, animais,
plantas, ambientes e relacionamentos; familiares ou amorosos. Para ela, o
resgate por essa prática ancestral, que para muitos pode existir apenas no
passado, acontece por uma necessidade de descanso da alma. “O benzimento é um
bálsamo. Muitos relatam estarem cansados, mesmo quando descansam. Isso reflete
um estado da alma que o benzimento pode equilibrar. É altamente necessário que
esse resgate aconteça”, acredita. Além do descanso, alívio de dores físicas e
emocionais, acolhimento e expansão da consciência estão entre os efeitos da
prática.
Imagem: Divulgação
“Benzer é abençoar, e todos são capazes de
abençoar. É algo que flui bem pelos diferentes lados, crenças e religiões”, diz
Pâmela. Com a sua "quase faculdade" Florescer Bento, ela já formou
cerca de 870 benzedores pelo Brasil, entre homens e mulheres de diferentes
idades e crenças. Rafael Strangnetti, de 35 anos, é um deles. "Meu
primeiro contato com um benzedor foi ainda criança, minha tia me levava em um
senhorzinho que benzia. Como sempre gostei de plantas, banhos de ervas e chás,
aprendi a benzer por interesse. Depois, fiz o curso do Florescer, que me
mostrou várias ferramentas que poderiam ser utilizadas”, relata Rafael. Entre
as ferramentas estão terços, velas e ervas, considerados objetos de poder.
Imagem: Divulgação
Também aluna de Pâmela, Gabriela Righetti se
surpreendeu ao fazer o curso, já que esperava um passo a passo mais mecânico.
“A prática permite seguir a intuição e se conectar com um saber interno”,
conta. Apesar de ser umbandista de família evangélica, Gabriela descobriu, após
ser iniciada no benzimento, que sua tataravó, indígena, benzia. “Foi um
processo que me trouxe força, conexão com o meu sagrado, com a minha
ancestralidade. Passei a me sentir mais segura e a amar ainda mais a minha
família, a nossa história e tudo o que meus ancestrais fizeram para que eu
pudesse estar aqui.”
Origens e
religiosidade
Por mais que muitas pessoas associem a prática ao
catolicismo, o benzimento tem origem anterior à religião e não existem
informações que documentem a data de seu surgimento. Quanto mais se estuda,
mais narrativas são encontradas. "Não é sabido, efetivamente, quando o
benzimento começou, mas existem relatos de comunidades celtas e druidas que
utilizavam a mesma técnica de cura. Além disso, os índios benzem desde sempre
em todo o mundo. Aqui, temos os Pretos Velhos, que foram escravizados e vieram
da África. Na Europa, os padres católicos com a água benta… É totalmente
ancestral", explica Pâmela.
Imagem: Divulgação
No Brasil o pico da prática aconteceu na época
escravidão, quando os escravos tinham o cuidado médico negado. "Muitas
vezes era o próprio 'senhor' que provocava os machucados, então a solução que
eles encontraram era benzer um ao outro dentro das senzalas. Isso para curar
males físicos, emocionais e astrais. Como muitos escravos eram vendidos,
existia um intercâmbio dessa cultura e, no final, praticamente toda a senzala
sabia benzer. Infelizmente as gerações que vieram depois não conheceram tão
profundamente a técnica. Houve um excesso de proteção dessa cultura que levou a
sabedoria para o caixão junto com eles", relata.
Para ser um benzedor, é necessário passar por um rito
de iniciação, que varia de acordo com a tradição. Na formação ministrada por
Pâmela, esse ritual é segredo. E não adianta insistir: “Só quem passa por ele
sabe”. Independente da iniciação, o que ela acredita é que a arte de benzer não
se aprende, floresce. Por mais que a tradição não esteja vinculada a nenhuma
religião, a imagem de Deus é cultuada pelos praticantes. "Não somos nós
quem curamos, é Ele", diz Pâmela. Além disso, hoje em dia muitos
benzedores misturam a cura com outras técnicas de terapias alternativas, como
florais ou Reiki.
Benzedores modernos
Embora a imagem de quem benze seja a de uma senhora
de cabelos brancos com um ramo de ervas nas mãos, a nova geração de benzedores
mostra que não existem fronteiras para a cura, sejam elas pessoais ou físicas.
Isso se prova pelo fato de que o benzimento é oferecido até mesmo online. É bem
simples: basta passar o nome de registro e a data de nascimento, assim a
técnica de benzimento à distância é colocada em ação. A taxa de eficácia,
segundo Pâmela, é a mesma. A frequência vai depender de quem recebe.
Imagem: Divulgação
Para esses curandeiros, cobrar por um benzimento é
considerado totalmente desleal. "O benzimento é um ato de amor e fé, nunca
deve ser cobrado", destaca o aluno Rafael. Gabriela, também aluna e
benzedeira, explica que antigamente eram feitas trocas ou pagamentos
simbólicos, como um prato de comida. Segundo ela, hoje existem outros meios de
sustento que não o benzimento. "Se benzer é acolher e abençoar seu
semelhante, não faz sentido cobrar. Às vezes querem me pagar por isso, mas,
quando acontece, eu peço que a pessoa alimente algum irmão que esteja passando
fome. A melhor forma de retribuir uma bênção é abençoado ao próximo",
acredita.
"É uma tradição, pra mim benzimento não se
cobra e ponto. Todos os benzedores do Florescer Bento são instruídos a não
cobrarem absolutamente nada, de nenhuma forma. Para as benzedeiras de 80, 90
anos, levamos um saco de arroz ou dez reais para sobrevivência delas",
frisa a professora. A escola tem ambulatórios semanais e um grupo onde atendem
em média 1.700 pessoas por mês. "Faço isso porque é o que minha alma ama.
Não tem como lutar contra a vontade da alma. O Florescer Bento não é meu. Ele é
de uma consciência muito maior que a minha, chamado Vô Antônio, um guia
espiritual. Eu só trabalho pra ele e nós trabalhamos para Deus. Lidar com
Benzimento é praticar o ato de servir."