Arides Leite Santos explora a esperança na ressurreição em Paulo: a vitória de Cristo sobre a morte como fundamento da fé cristã

 



A ESPERANÇA DA RESSURREIÇÃO

SEGUNDO O APÓSTOLO PAULO

 

Por Arides Leite Santos

1. A ressurreição do crucificado: razão da nossa esperança

Paulo escreveu aos crentes de Corinto para relembrar-lhes do autêntico Evangelho que havia pregado: “que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras”. Ressuscitado, apareceu a Pedro e depois aos doze apóstolos. Em outra aparição, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez. Depois, por Tiago, e mais tarde, por todos os apóstolos. Por último, foi visto também por ele, Paulo (1Co 15: 3-8).

Entre aqueles que haviam crido na pregação de Paulo, alguns passaram a desacreditar na ressurreição dos mortos (1Co 15:12), daí o seu cuidado em reafirmar “que de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias entre aqueles que dormiram” (1Co 15: 20).

Os acontecimentos que se seguiram após a morte de Jesus “são a história de Deus” que de algum modo afetam a nossa história. Compreender o significado daqueles eventos, no entanto, requer do homem ou da mulher que os ouvem/leem uma disposição de fé; “fé, no sentido neotestamentário, é confiar num Senhor vivo e presente e não simplesmente aceitar um fato histórico comprovado” (KNUTSON, 2003).

  Segundo Moltmann (2005, p. 375/6), “o evento fundamental para o Evangelho é a ressurreição do Cristo crucificado e morto para a vida escatológica”, e é assim porque a ressurreição dentre os mortos “antecipa o escopo da história, a vinda da salvação futura, a vida, a liberdade e a justiça na ressurreição de Cristo”.

Jesus passou pela morte em todo seu horror, não somente em seu corpo como também em sua alma (“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”). Assim, para o cristianismo que vê nele o redentor, ele deve ser “aquele que triunfa sobre a morte com a sua própria morte. Ali onde a morte é concebida como o inimigo de Deus, não pode haver ‘imortalidade’ sem uma obra ôntica de Cristo, sem uma história da salvação onde a vitória sobre a morte é o centro e o fim” (Cullman, 2000, p. 189).

2. O poder de ressurreição que venceu o poder da morte

“Onde está, morte, a tua vitória? Onde está, morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15: 55-57).

Paulo dirige-se aos crentes de Corinto para convencê-los de que Cristo haverá de destruir todo principado, toda autoridade e poder, e reinará até que haja subjugado todos os inimigos, e o último a ser destruído é a morte (1Co 15: 24-26).

Conforme Schweitzer (2003, p. 88/9), Paulo concebe o reino não como uma pacífica bem-aventurança, mas como uma luta contra os poderes angélicos. Estes, um após outro, serão vencidos por Cristo e seu povo, até que finalmente a morte também seja despojada de seu poder (1Co 15:23-28). Com base na doutrina da redenção, o apóstolo espera que toda a natureza passe por uma transformação: da mortalidade para a imortalidade (Rm 8:19-22). Na escatologia paulina, os poderes angélicos serão julgados e são vencidos gradualmente durante o reino messiânico, mas o ‘julgamento’, que segundo 1Co 6:3 é distribuído aos crentes que tem entrado na glória messiânica, “certamente ocorre naquele Último Julgamento”, no final do reino.

Oscar Cullman (2000, p. 191-197) assinala que a fé cristã na ressureição pressupõe o nexo que o judaísmo estabelece entre o pecado e a morte. A morte não é simplesmente algo natural querido por Deus, como o pensamento grego a concebia, mas é algo contrário à natureza, oposto à intenção divina. A morte é uma maldição que afeta a criação inteira e só será vencida pela expiação do pecado, já que ela é o “salário do pecado”. Morte e enfermidade existem como consequência do estado de pecado em que se encontra toda a humanidade. “Toda cura é uma ressurreição parcial, uma vitória parcial da vida sobre a morte”. A concepção judaica e cristã acerca da criação exclui totalmente o dualismo grego entre corpo e alma. “As coisas visíveis, corporais, são criações divinas no mesmo grau que as invisíveis. Deus é o criador do meu corpo. Este não é uma prisão para a alma, mas um templo; segundo as palavras de Paulo (1 Co 6.19), é templo do Espírito Santo”.

Para Cullman (2000, p. 194/5), a carne é o poder do pecado que entrou no homem inteiro (corpo e alma) com o pecado de Adão, mas está ligada substancialmente de uma maneira mais estreita ao corpo do que ao homem interior (alma), pois antes da queda ela tomou posse do corpo (a distinção entre “carne” e “corpo” é fundamental na escatologia de Paulo).

O Espírito é o antagonista da carne, não como uma doação antropológica, mas como um poder outorgado ao homem que lhe vem de fora. É o poder criador de Deus, a grande força vital, o elemento de ressurreição, enquanto a carne, ao contrário, é o poder da morte. Na antiga aliança, o Espírito só se manifesta fugazmente nos profetas. Depois de Cristo, e por sua morte, a própria morte sofreu um terrível golpe, e por sua ressurreição, este poder de vida (o Espírito) atua em todos os membros da Igreja de Cristo (CULLMAN, 2000, p. 194/5).

Segundo Atos 2.16, “nos últimos dias” o Espírito será derramado em todos os homens. Essa profecia de Joel se realiza no Pentecostes. O homem inteiro (corpo-e-alma) será libertado do poder da carne pelo poder do Espírito, mas essa transformação acontecerá quando toda a criação for criada de novo pelo Espírito Santo, e então a morte já não existirá. “A substância do corpo já não será carne, mas Espírito” (CULLMAN: 2000, p. 194/5).

“[...] a ressurreição do corpo, em um novo ato criador que transforma o universo, não pode sobrevir no momento da morte individual de cada um, mas no fim dos tempos”, isso porque a ressurreição do corpo “está ligada ao drama da salvação”, que se desenvolve no tempo desde quando o pecado entrou no mundo. Desde quando o pecado engendrou “o domínio da morte sobre a criação divina, a morte e o pecado devem ser vencidos” (CULLMANN: 2000, p. 194/5).

Mas como venceremos a morte e o pecado se somos pecadores, ou seja, se os nossos desejos pendem para o pecado, de tal modo que a nossa natureza carnal não resiste à força do pecado que habita em nós?

“Outro o fez por nós ...”. Aleluia! Jesus se rendeu ao domínio da morte, expiou o pecado e assim venceu a morte (CULLMAN, 2000, p. 197)

Com base em Romanos 6.3 e ss.; João 3.3 e ss., Cullmann (2000, p. 206/7) ousa afirmar que o cristão, se realmente houver sido regenerado, antes de ser privado do corpo pela morte, ou seja, em vida, é transformado pelo Espírito Santo e tomado pela ressurreição. O Espírito Santo é um dom que se preserva ao morrer. O cristão falecido o mantém, ainda que durma e espere a ressurreição do corpo, único fato que lhe conferirá vida plena e verdadeira.

No estado intermediário, para aqueles que “morreram em Cristo”, a morte perdeu tudo o que tinha de terrível, pois, sem a presença da carne, o Espírito Santo lhes aproxima mais de Cristo, de sorte que “os que morrem no Senhor a partir de agora” podem ser realmente chamados bem-aventurados (Ap 14.13). Por isso o apóstolo escreve aos romanos: “vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rm 14.8). “Quer estejamos acordados, quer dormindo, vivamos para ele” (1 Ts 5.10). Cristo é “Senhor de mortos e vivos” (Rm 14.9) (CULLMAN: 2000, p. 206/7).

Para Cullmann (2000, p. 207/8), o estado dos mortos é imperfeito, de nudez, de sono, na espera da ressurreição de toda a criação, da ressurreição do corpo. A morte subsiste como inimigo já vencido, mas ainda não destruído. O homem interior, transformado, vivificado pelo Espírito Santo (Rm 6.3 s.), continua vivendo assim transformado, ao lado de Cristo em estado de sono (João 3.36; 4.14; 6.54). Entretanto, esse estado não corresponde de maneira nenhuma à sua essência, à natureza da alma, mas é consequência da intervenção divina, através do Espírito Santo, que já havia ressuscitado o homem interior, por Seu poder milagroso, durante a sua vida no corpo de carne, antes da morte.

A ressurreição dos mortos é sempre objeto de espera, uma espera com a certeza da vitória, pois o Espírito Santo já habita no homem interior, e graças à sua habitação em nós, transformará também um dia nosso corpo (CULLMAN: 2000, p. 207/8).

Ainda que já se encontre vencida, privada de sua onipotência (2 Tm 1.10), a morte não será aniquilada senão no fim dos tempos como o “último inimigo” (1Co 15.26; Ap 20.13). Então, somente o Espírito Santo transformará os corpos carnais em corpos espirituais (1Co 15.44), trazendo à existência uma nova criação (CULLMAN, 2000, p. 106).

No presente, o Espírito renova a cada dia somente nosso homem interior (2 Co 4.16; Ef 3.16). O fato de o Espírito Santo habitar em nós, desde agora, é a garantia de que, no porvir escatológico, Ele vivificará nossos corpos mortais (Rm 8.11). (CULLMAN, 2000, p. 106).

É certo que “mesmo para os cristãos, o futuro está ainda aberto e cheio de possibilidades. Entretanto, essa união com Jesus proporciona a certeza de que o Deus de Israel, revelado em sua divindade pela ressurreição de Jesus, tem poder sobre tudo o que acontece, e nada pode ser separado do seu amor manifesto nos atos e histórias de Jesus. A sua palavra final, qualquer que seja a forma do cumprimento que se realiza em nós, não é morte, mas vida” (PANNEMBERG, 2004, p. 82).   

3. O morrer e ressuscitar com Cristo

Segundo Cullmann (2020, p. 284/5), o batismo confere o Espírito como uma “ressurreição com Cristo”, porém, “antes do fim dos tempos nossa ressurreição é somente parcial: a transformação de nosso corpo carnal em um corpo espiritual permanece reservada ao futuro”. O Espírito Santo manifesta-se no presente como um “poder de ressurreição”. O fato de termos como fundamento a ressurreição de Cristo e de crermos neste ato salvífico nos habilita a entrar atualmente nos domínios do Espírito Santo e nos faz sabedores de que nos é permitido esperar pela ressurreição do corpo a ser operada pelo próprio Espírito que já habita em nós. “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do Espírito que em vós habita”, Romanos 8:11.

“O batismo tem por efeito participar a cada um individualmente o Espírito Santo que havia sido derramado sobre toda a Igreja no dia de Pentecostes”. A ressurreição de Cristo tem consequências para o nosso corpo desde agora, na medida em que é tomado pela ação vivificadora do Espírito Santo, mas a sua transformação em corpo espiritual não se dará até que chegue o momento de todas as coisas serem criadas de novo (CULLMAN 2000, p. 112 e 115).

Cullman diz estar convicto de que aquele que “morre em Cristo” está junto dele imediatamente após a morte (2020, p. 287-290). Confiante nesta palavra de Jesus segundo escreveu o evangelista Lucas: “Hoje tu estarás comigo no paraíso” (Lucas 23:43), assim como nesta palavra de Paulo: “Meu desejo é de partir para estar com Cristo” (Filipenses 1:23), o teólogo alemão defende que as expressões “estar com Cristo” e estar “no seio de Abraão” não têm o sentido de “receber o corpo espiritual”. Para ele, “pode-se conceber que estes mortos são mantidos com Cristo antes mesmo que seus corpos ressuscitem, antes mesmo que eles se revistam de um corpo espiritual”. O estado de “nudez” criado pela morte, a inimiga de Deus, permanece um estado de imperfeição, mas Paulo sugere o horror que lhe inspira este estado pela certeza de que “nós já temos recebido as garantias do Espírito”. É nesta passagem que o apóstolo, pensando no estágio intermediário dos cristãos mortos ou que deverão morrer antes do dia do julgamento, designa novamente o Espírito Santo como “as garantias” do fim do mundo (2 Co 5: 5), e não se trata aqui senão das garantias da ressurreição dos corpos no dia do julgamento, como indica a passagem já citada de Romanos 8:11.

Para nosso autor, o Espírito Santo é um dom inalienável e quanto aos crentes que estão mortos e os que morrerão antes do fim dos tempos, não se pode crer que provisoriamente nada seja mudado, como se Cristo não tivesse ainda ressuscitado e o Espírito Santo não tivesse ainda operado entre os homens. A união com Cristo, estabelecida pelo Espírito Santo e já eficaz mesmo enquanto ainda estamos revestidos com nosso corpo de carne, essa união tornar-se-á mais íntima ainda – sem, todavia, tornar-se perfeita – quando nós estivermos despojados deste corpo de carne. Em Apocalipse 6:9 e ss., as almas dos “que foram imolados por causa da Palavra de Deus” já se encontram “sob o altar”, ou seja, particularmente próximos a Deus. O que o Apocalipse diz acerca dos mártires vale, segundo o apóstolo Paulo, para todos os que estão “mortos em Cristo” (CULLMAN 2020, p. 288).

A contradição aparente entre as passagens que tratam da ressurreição dos corpos no fim dos tempos e as que mostram todos os cristãos “com Cristo” imediatamente após sua morte é resolvida desde que se reconheça que “estar com Cristo” não significa ainda a ressureição dos corpos, mas uma união com Cristo tornada mais estreita pelo poder de ressurreição do Espírito Santo. Os mortos vivem [aleluia!] também em um estado onde a tensão entre o presente e o futuro subsiste ainda. Estes também gritam: “Até quando?” (Apocalipse 6:10). E sua esperança [dos mortos que vivem!] é na mesma proporção mais intensa pelo fato de já terem deixado seus corpos. Todos eles pertencem, assim como os vivos, no período presente, àqueles limites demarcados pela Ressurreição e pela Parusia. Daí porque nem os mortos nem os vivos têm alguma vantagem (1 Tessalonicenses 4:13 e ss.). À fé que os autores do Novo Testamento depositam na ressurreição, basta uma única certeza quanto a esse estado intermediário dos mortos: aquele que crê em Cristo, que é a ressurreição, “viverá, ainda que esteja morto” (Jo 11:25) (CULLMAN 2020, p. 288/9).

A esperança na ressurreição está fundada na convicção sobre um fato do passado, o fato central da linha da salvação e objeto do testemunho dos apóstolos: a ressurreição de Cristo. Também sobre um fato do presente: o poder de ressurreição do Espírito Santo já operante em todos os que creem no ressuscitado e que permanece inalienável até o fim dos tempos. Pois “aquele que ressuscitou a Jesus Cristo dentre os mortos dará também a vida aos nossos corpos mortais pelo seu Espírito”, Romanos 8:11 (CULLMAN 2020, p. 290).

Paulo assume que a alma, isto é, a personalidade indestrutível do indivíduo, é algo que primeiramente está unido ao corpo carnal e posteriormente ao corpo glorificado. Ao “morrer e ressuscitar com Cristo”, o crente em sua essência (corpo-alma) torna-se preparado para abandonar imediatamente sua união com o corpo carnal e entrar na união com o corpo glorificado. Essa concepção de Paulo corresponde à concepção do morrer e ressuscitar que foi mantida pelo judaísmo tardio. Este também assumia que a alma após a morte continua uma existência corporal individual, quer ela durma na terra (Daniel 12:2), ou viva nas habitações que estão preparadas no mundo inferior para a permanência das almas dos mortos. O último conceito é o mais comum (SCHWEITZER 2003, p. 153).

Certamente Paulo sustenta que todos os seres humanos que têm vivido sobre a terra devem ressuscitar na ressurreição, com exceção daqueles que estiverem vivos no retorno de Jesus, e por isso entram no estado de existência por meio de uma transformação. Os “mortos em Cristo” ressuscitarão no retorno de Jesus; todo o restante, na ressurreição geral após o reino messiânico (SCHWEITZER 2003, p. 155/156).

4. O modo de existência do ressuscitado com Cristo

Paulo afirma na carta aos romanos (6:4) que, por meio do batismo, o cristão é sepultado junto com Jesus na morte para começar uma nova vida: “Portanto pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai assim também nós vivamos vida nova”.

A concepção de Paulo é que os crentes participam da morte e da ressurreição de Cristo de forma misteriosa, sendo arrastados para longe do modo ordinário de existência, e assim formam uma categoria especial de humanidade. Quando o reino messiânico despontar, aqueles que ainda estiverem vivos não são homens naturais como os outros. Diferentemente, são homens que de algum modo têm passado pela morte e ressurreição juntamente com Cristo, tornando-se participantes do modo de existência da ressurreição, enquanto os outros passam sob o domínio da morte. Além disso, aqueles que “morreram com Cristo” não estão mortos como os outros estão, mas, por sua “morte e ressurreição com Cristo”, tornaram-se capazes de ressuscitar antes dos outros (SCHWEITZER, 2003, p. 119).

Interpretando o conceito paulino de “corpo de Cristo”, Schweitzer (2003, p. 138/9) diz que os eleitos participam uns com os outros e com Cristo de uma corporeidade especial suscetível à ação dos poderes da morte e da ressurreição. Em virtude de estarem revestidos dessa natureza corporal, os eleitos tornam-se capazes de adquirir o estado de existência da ressurreição antes da ressurreição geral dos mortos. A inclusão nesta corporeidade favorecida não é realizada no momento do crer, pela fé como tal, mas pelo batismo, isto é, pelo ato cerimonial que possibilita o crente a entrar na “Comunidade de Deus”, isto é, na comunhão com Cristo e com o restante dos eleitos. “Sem o batismo não há estar-em-Cristo!”.

Para Moltmann, o batismo concede ao crente participação na crucificação e morte de Jesus. Da ressurreição o crente vivo participa tão somente através da esperança. Na força do Espírito que ressuscitou a Cristo dos mortos o cristão pode tomar sobre si, em obediência, os sofrimentos ligados ao seguimento de Jesus Cristo e assim esperar a glória futura. Da participação na ressurreição não se fala no tempo perfeito, mas no tempo futuro. Cristo ressuscitou e foi arrancado à morte, mas os seus ainda não estão arrancados da morte; tão-somente através da esperança eles têm participação na vida da ressurreição (MOLTMANN, 2005, p. 207).

Desse modo, o crente pode sentir a presença da ressurreição como esperança e promessa escatológica do futuro e não como uma presença cultual do eterno. No culto e no Espírito não lhe é dada uma participação plena no senhorio de Cristo, mas pela esperança é introduzido nas tensões e oposições da obediência e do sofrimento no mundo. Daí porque em Romanos 12.1ss. a vida diária é apresentada como a esfera do verdadeiro culto de Deus. “Ora, na medida em que o chamamento e a promessa indicam ao crente o caminho para a obediência corporal e terrena, o corpo e o mundo são colocados dentro do horizonte da expectativa da vinda do domínio de Cristo” (MOLTMANN 2005, p. 207-211).

A ressurreição de Jesus instaura um processo histórico escatológico voltado para o aniquilamento da morte pelo domínio da vida e para a justiça. Será um tempo em que Deus terá seus direitos reconhecidos em tudo e a criatura chegará a sua salvação. [...] A expectativa escatológica do domínio universal de Cristo sobre o mundo corporal e terreno traz consigo a percepção e a aceitação das contradições da cruz e da ressurreição. [...] A verdade universal pela qual a criatura chega a uma correspondência salvífica com Deus; a justiça universal pela qual Deus receberá seus direitos em tudo e em que tudo se tornará justo; a glória de Deus [...] tudo isso é colocado por Paulo dentro do horizonte da esperança no futuro, o qual a fé entrevê na ressurreição do crucificado (MOLTMANN 2005, p. 207-211).

5. Como compreender a Ressurreição de Jesus em nossos dias?

Segundo Moltmann (2003, p. 236), a “realidade da ressurreição” vem ao nosso encontro “como palavra de Deus, como querigma frente ao qual não podemos mais colocar a questão da legitimação histórica, mas o qual nos pergunta se queremos crer ou não”. Podemos compreendê-la “somente através do encontro direto e imediato na pregação presente, hoje sob o olhar do Senhor na obediência de hoje frente ao seu apelo absoluto, em que se abre a salvação para a atualidade”. Tal pregação “deve subjugar ‘nosso coração e nossa consciência’. Ela deve falar de sua ressureição de tal modo que esta não apareça como evento histórico ou mítico, mas como “uma realidade que toca nossa própria existência”.

A esperança cristã orienta-se para o Cristo já vindo, mas dele espera algo novo, ainda por acontecer. Espera o cumprimento e a realização: (i) da justiça de Deus prometida em todas as coisas, (ii) da ressurreição dos mortos prometida em sua própria ressurreição, (iii) do senhorio do crucificado sobre todas as coisas, prometido em sua exaltação. Para a esperança cristã, “a não-redenção visível do mundo, que pode ser testada nos sofrimentos”, não abala a fé na vinda já verificada do Messias, mas constitui uma interrogação angustiante sobre o futuro do Salvador que já veio. É assim porque com Jesus a redenção foi posta em andamento, por isso os crentes gemem com toda a criação ante a não-redenção do mundo, enquanto esperam ver o cumprimento universal de sua atividade redentora e justificadora (MOLTMANN, 2003, p. 287/8).

Uma questão importante consiste em definir qual a forma adequada para se comunicar o evento da Ressurreição de Jesus de tal maneira que possa ser compreendido no sentido da sua conexão com o futuro escatológico universal. “Somente a pregação missionária está à altura do caráter histórico e escatológico desse evento. Ela representa a forma de experiência da história correspondente à existência histórica e à expectativa histórica” (MOLTMANN, 2003, p. 241).

Para Paul Tillich (1886-1965), a mensagem que as pessoas do nosso tempo precisam ouvir é a da Nova Criatura, que envolve reconciliação, isto é, “justificação pela fé” e “perdão dos pecados”, como acreditavam os reformadores. Inclui “participação no eterno”. Também está envolvido o reino de Deus estabelecido na história e lutando em meio à cultura predominante no mundo. “Mas o foco dessa formulação [...] concentra-se no que se pode chamar ‘realidade salvadora’, com a coragem de dizer ‘sim’ no encontro com o nada, com a angústia e com o desespero”. Segundo Tillich, “as pessoas de nossa época precisam ouvir a mensagem de algo que supere o conflito existencial e acabe com a alienação”. A cristologia defendida por esse eminente teólogo luterano contempla um poder supra existencial “que pode ser verificado por meio de participação”. Em Cristo manifesta-se completamente a Nova Realidade porque nele a angústia da finitude e os conflitos existenciais são superados. “Cristo é poder curador que supera a alienação porque nunca foi alienado” (TILLICH, 2009, p. 267 e 270).

CONCLUSÃO

Para o apóstolo Paulo, a importância decisiva da ressurreição de Jesus para a esperança na nossa ressurreição (1Co 15:17) reside no fato de que a pessoa que ressuscitou foi Jesus de Nazaré, o homem cuja execução foi perseguida pelos judeus desde que julgaram que ele havia blasfemado. Ora, se este homem ressuscitou da morte, então certamente o Deus de Israel, contra quem ele foi acusado de ter blasfemado – o reconheceu. Daí que a esperança da nossa futura ressurreição é fundamentada na confiança em que Deus ressuscitou Jesus – confiança adquirida através do conhecimento racional daquele evento (Pannenberg).  

A ressurreição de Jesus instaura um processo histórico voltado para o aniquilamento da morte, o predomínio da vida e a realização da justiça. Com Jesus a redenção foi posta em andamento, mas os crentes vivem em um mundo não redimido, sofrem enquanto esperam o cumprimento universal das promessas anunciadas pelo Redentor.

Em esperança o crente entrevê no futuro i) a verdade universal pela qual a criatura reconhece a salvação que deve a Deus, ii) a justiça universal pela qual Deus recebe seus direitos em tudo, iii) a própria glória de Deus em tudo que se torna justo.

Até a volta de Jesus, nem os mortos nem os vivos têm alguma vantagem (1 Ts 4:13 e ss.), mas aquele que crê em Jesus, ainda que esteja morto, viverá, porque Ele é a ressurreição (Jo 11:25).

O homem/a mulher em quem habita o Espírito Santo é, de algum modo, inspirado a crer que será ressuscitado no dia do julgamento e a confiar no poder que vai operar a sua ressurreição.

 

Arides Leite Santos tem Pós-Graduação Lato-Sensu em Teologia do Novo Testamento Aplicada.

REFERÊNCIAS

Bíblia Sagrada. Bíblia Nova Versão Internacional. Várzea Paulista/SP: Casa Publicadora Paulista, 2021.

CULLMANN, Oscar. Cristo e o Tempo, 2ª ed. Traduzido por Daniel Costa. São Paulo: Fonte Editorial, 2020.

___________Das origens do evangelho à formação da teologia cristã. Traduzido por Daniel Costa. São Paulo: Fonte Editorial, s/d.

KNUTSON, Kent S. Quem é Jesus Cristo, 2ª ed. Traduzido por Luís Marcos Sander. rev. São Leopoldo/RS: Sinodal, 2003.

MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança: estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia cristã, 3ª edição. Traduzido por Helmuth Alfredo Simon. São Paulo: Editora Teológica, Edições Loyola, 2005.

PANNENBER, Wolfhart. Fé e realidade. Traduzido por Daniel Silva. São Paulo: Editora Cristã Novo Século, 2004.

SCHWEITZER, Albert. O misticismo de Paulo o apóstolo.  Traduzido por Paulo e Judith Arantes. São Paulo: Fonte Editorial, 2003.

TILLICH, Paul. Teologia da Cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009.


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